terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

João Bandeira do Brasil



- Naquele ano, a seca foi feia, foi uns setenta dias sem chove. Meu patrão era o Etervino, filho do Seo Fagundes. Eu prantei de meeiro com ele um lote de 3 arqueires de arfafa, num compromisso de cinco anos, era tudo o que eu tinha, se ela não nascesse eu não tinha dinheiro pra reprantá. Que tristeza era oiá pro céu, não tinha nenhuma nuvem, parecia que cada dia que passava o sol chegava mais perto da minha prantação. O cumpadre Dorival me falou para não me preocupá, porque quando chovesse ela nascia. É craro que não acreditei, mas em que podia eu acreditá se não fosse nessa esperança. Todo dia de manhã eu remexia um pedacinho da terra e lá tava a sementinha, até parecia mesmo que se chovesse ia brotá. Todo dia, setenta dias, até que a chuva veio. Que alegria! E não é que ela germinou mesmo. Que linda lavora a minha! Todo mundo dizia: “não tem arfafa mais bonita que a do João Bandeira”. Foi o momento de minha vida que mais eu vi dinheiro. Até cheque do banco eu tinha. Mas ai veio o zóio gordo do meu patrão. Ele dizia pra todo mundo: “ por que eu vou dividir a arfafa com o João? A terra é minha, eu posso ficar com as duas partes.”
A arfafa se você corta ela com o arfanje e não usa veneno para mata o mato, você arcançá umas 5 colheita sem precisa reprantá. Corta e deixa uns 5 centímetros de tolo do pezinho dela. No acordo que eu tinha com o Etervino, nós não ia usá veneno e nem a coiedera. A segunda brota de minha arfafa era muito melhor do que a primeira, eu achava que apesar da ganancia o meu patrão não ia deixa de honrá a palavra e me manda embora.
Num dia, quase na hora da coieta, precisei ir pra cidade comprar mantimentos. Oh que tristeza, quando cheguei meu patrão já tinha coído todo a minha arfafa. Era minha! A terra era dele mas a arfafa era minha. Porque meu Deus alguém pode ser dono de tanta terra? E eu não posso ter apenas 3 arqueire prá prantá e tratá da minha familha? Eu um caipira, nunca fui a escola, aprendi a ler sozinho, desde criança trabaiando na roça, nem sei conversá direito, fiquei muito nervoso, era minha arfafa, ele não tinha o direito de mexer nela.
Eu tava mesmo muito nervoso. Ai encontrei o Etervino junto com o Seo Fagundes e mais uns 5 camarada , não respeitei nem a presença do Seo Fagundes, falei tudo que tinha que falá pro Etervino e pedi minhas contas.
Essa história eu ouvi sábado, do meu cunhado que já está aposentado. Este fato deve ter ocorrido por volta dos anos 70. Ele sempre trabalhou de empregado nos sítios e fazendas nos arredores da cidade de Bandeirantes. Depois foi pra cidade e trabalhou de pedreiro, foi funcionário da Prefeitura e se aposentou com um salário mínimo.

A história dele é parecida com a de meu pai, meus tios e, acredito, com a história de milhões de brasileiros.

Depois que sai de lá comecei a pensar como seria a vida do João e de sua família se aqueles 3 alqueires fossem dele, como seria a vida de todos nós brasileiros se no passado a posse da terra fosse assegurada ao trabalhador, ao caboclo que dela tirava seu sustento. Será que existiriam esses bolsões de miséria nas grandes cidades, será que a violência seria tanta como temos nos dias de hoje?
Reforma agrária deve ser a Bandeira de todos nós brasileiros.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012